Deixe ir…

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Deixe ir…

abril 20, 2016
Liane Alves
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Essas são as folhas avermelhadas de um ser tocado pela magia do outono. Você pode vê-las como pedaços de memória de uma liquidambar, ou âmbar líquido, talvez um dos nomes mais belos escolhidos para se batizar uma árvore. Elas caíram ao chão nesse começo de abril, e é lá, entre pó e pedras, que vão continuar seu processo de vida e morte. Tornar-se-ão ressequidas, perderão aos poucos seu amarelo-avermelhado, para se transformarem novamente em terra, em húmus fértil, e saudade.  

A liquidambar encontrou aqui no Horto Florestal de Campos do Jordão outra pátria que não a do Canadá. Espraia-se em seus quatro metros de envergadura como uma uma dama generosa. Nós podemos ver outras liquidambar no jardim do Museu Felícia Lerner, companheiras das esculturas dela ao ar livre, ou em pequenas praças da cidade, como a da Igreja da Nossa Senhora da Saúde, uma joia que nos faz lembrar das capelinhas dos Alpes italianos. Junto com os plátanos dourados de ruas e avenidas, que também perdem suas memórias vegetais agora, as árvores nos lembram que existem momentos mais favoráveis para o “deixar ir embora”. Para o soltar-se, para o desagarrar-se. E a natureza nos ajuda a estar atentos à consciência do fim.

Morar num centro urbano normalmente nos desconecta dessa realidade. Não percebemos mais a onda ferruginosa do outono a tudo penetrar e tingir, como nos desenhos animados do Walt Disney. Os astrólogos, antenados com as estrelas, sabem que estamos num final de ciclo que encerra o ano ao pedir nosso desapego do passado, o perdão para quem nos feriu e aquele abraço largo, abrangente, como o das árvores, que nos faz amar toda a humanidade. E o novo ano que se iniciou em Áries (março/abril) nos prepara para o novo e para o futuro. 

Essas palavras, então, são um convite para que também nós nos deixemos mergulhar no outono. E assim encerrar ciclos, se despedir do que não tem mais função na nossa existência. Olhar para amizades, amores ou lugares para tentar sentir se estão vivos e ressoam com o que de mais profundo tem em nosso coração. Ou, se for o caso, concluir que foram momentos bons, sim, mas que já ficaram no passado. É tempo de reflexões, contemplações, comparações, seleções criteriosas. E cortes (o texto continua depois da foto do plátano).

  

As folhas nos ensinam que as memórias, mesmo as doloridas, tem a sua beleza. Sob um comando invisível, elas caem esplêndidas, avermelhadas, em tons de fogo e ouro. Talvez nunca fossem tão bonitas antes. E, apesar disso, se lançam no ar, e dançam em voos tranquilos, auxiliadas pela mão do vento. O auge é o momento certo para se jogar o que não serve mais. Contemple silenciosamente a beleza das memórias ao dizer adeus para elas. E quando sentir, sem hesitar, deixe-as ir. 

Eu escrevi muito sobre casas: arquitetura, decoração, sentido simbólico. É uma das paixões da minha vida. Ao escrever sobre wabi-sabi, ou como o tempo age sobre os objetos,  aprendi que as portas corrediças da casa tradicional japonesa se abrem totalmente para o jardim. As cores que lá estiverem, estarão também dentro dos ambientes internos. Trocam-se pratos, tigelinhas, panos, quimonos e almofadas a cada estação. Também nos haiku (haikai, no Brasil), frases sintéticas em forma de poesia, há quase sempre uma referência à uma estação da natureza no primeiro ou no último verso. Enfim, as formas de arte do Japão recebem cores, sensações e sentimentos que tocam nossos sentidos em determinado período.

Eu já ensinei o encantamento dos haiku no Parque da Aclimação, em São Paulo, aos domingos. Era surpreendente o resultado: todos, absolutamente todos os participantes, saíam dali com os sentidos abertos, e capazes de traduzir suas sensações em palavras dentro da métrica precisa desse tipo de poesia. Como a fotografia contemplativa, os haiku nos abrem para o espírito do tempo (leia mais sobre esse tema em Artigos e Reportagens, aqui no Red Lotus). Eles são uma forma de meditação. E essa é uma boa época para aprender a utilizar essas ferramentas simples, que nos ajudam a estar plenamente presentes. No futuro, pensamos em ensiná-las de novo aqui em Campos do Jordão.

Mas, por enquanto, apenas perceba o que não tem mais significado e importância para você. Reconheça com coragem quando um ciclo acabou. E despeça-se dele. Com beleza, com harmonia, com agradecimento. E corte com a precisão de um golpe de espada de samurai.

Deixo aqui o balé do outono nas árvores do Canadá para inspirar seu coração.

 

 

 

 

 

 

 

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