Kinishiba Ruins

Date:29 jun., 2015

Entre tribos e solos sagrados

Um silêncio ancestral toma conta de Kinishiba Ruins na reserva indígena apache

 

Por Liane Alves

 

No sudoeste americano, no Estado do Arizona, apaches, navajos e hopi nos convidam a refletir profundamente sobre o passado, presente e futuro da humanidade.

 

Eu desperto no meio da madrugada e olho para o relógio. São exatamente 2h22. A singularidade do número dois em sequência chama minha atenção e por alguns momentos, eu tento recordar as últimas imagens que me vieram em mente antes de eu acordar. Estou entre os hopi, comunidade pacífica de tradição milenar que vive em casas de pedra distribuídas entre vales arenosos e mesetas de quase 200 metros de altura. O hotel, com quartos aquecidos e camas confortáveis, segue os padrões de construção local e é o sonho materializado dos anciãos do grupo, que imaginaram ali um lugar especial para receber visitantes como eu. Há pelo menos sete dias que meus pés entram e saem de territórios sagrados, que meus olhos mergulham em símbolos criptografados há dezenas de milhares de anos pelos ancestrais dos povos nativos da América do Norte e que meus ouvidos escutam histórias da criação do universo e os quatro mundos que já existiram sobre a Terra. O som do canto tribal e tambores da música dos apaches, hopi e navajos invadem minha alma. Heya, heya, hey, hey…. Desertos áridos e rochas vermelhas, juníperos perfumados e touceiras de sálvia selvagem, montanhas nevadas e rallyes em rios e estradas de terra, crateras calcinadas de vulcões e jóias de prata incrustradas de turquesas desabrocham na minha mente. Tudo o que eu vivi na última semana se mistura nessa hora da madrugada. É muito difícil distinguir entre sonho e realidade. Elas se referem a visões do presente e do passado que tem relação com o futuro da humanidade.

 

O que será que os índios americanos querem me dizer nessa viagem? O que tenho de escrever sobre eles que tem estreita ligação conosco neste momento?

 

Foi com essa pergunta dentro de mim que pisei no último mês de abril no Arizona, nos Estados Unidos, terra de 22 nações diferentes de indígenas americanos, ou nativos, como eles preferem ser chamados. E é isso mesmo o que eles são: o povo nativo dali. Seus antepassados foram os primeiros povos que habitaram o chão da América, os donos originais do lugar que foi invadido com uma barbárie sem igual pelos brancos europeus durante quatro centenas de anos e, mais especificamente, ao correr do século XIX. Ao contrário do que é contado nos velhos filmes de faroeste, eles não são os bandidos da história. As terras deles foram pilhadas, o povo dizimado e violentado por muito tempo, e só agora eles ressurgem com força e dignidade dentro de suas reservas que, em conjunto, são tão grandes quanto um Estado americano de médio porte. Se houve uma época de denúncia com livros e filmes como Enterrem meu coração na curva de um rio, quando a versão da história da colonização americana sob o olhar dos nativos foi contada ao mundo, esse momento já passou. Uma força nasceu entre eles justamente a partir dessa consciência, e a realidade se modificou. A vida tomou outra direção.

 

Quem me confirma que o momento da denúncia não era mais tão fundamental é um outro nativo, um índio brasileiro, com quem converso antes de partir. Ele me dá algumas chaves importantes para a minha jornada. Vou contar a seguir o que ele disse.

 

 O som do silêncio

Às vésperas da viagem, eu escrevo para Kaká Werá Jacupé, descendente de índios guarani e caiapó, com quem eu já fiz algumas entrevistas e workshopsEu tinha certeza de que ele me daria a visão correta com que eu deveria viajar. A sabedoria e serenidade dele sempre me inspiram. No email, eu descrevo para Kaká um sonho que tive antes da minha partida, pois ele sempre dá muita atenção para as mensagens que chegam do mundo onírico.

 

No sonho, eu via índios americanos de várias tribos no alto de uma colina. Eles estavam em compasso de espera em cima dos seus cavalos. Eu os via como numa fotografia antiga em sépia que, de repente, se transformava numa realidade vívida, colorida e com movimento. Eu podia até enxergar o vento a balançar as penas de águia dos cocares deles. E eu ouvi uma voz falar: “Os peles-vermelha tem algo a dizer”. Eu achei um pouco esquisito, pois nunca me referi aos índios americanos como “peles-vermelha”. Mas foi assim que os nativos foram chamados, da mesma forma como algumas vezes eles próprios se referem a si mesmos, como eu soube depois. E a voz prosseguiu: “É uma mensagem para a humanidade”. Porém, os guerreiros continuavam a me olhar fixamente num solene silêncio. Eles permaneciam perfeitamente imóveis. E mudos. 

 

Eu percebi imediatamente que algumas das pesquisas históricas que vinha fazendo eram inúteis. De acordo com os sonho, o que eles queriam falar era relativo ao hoje, ao momento presente. “Agora não é mais o momento de falar sobre o terror do que passou”, me respondeu Kaká Werá na troca de mensagens que tivemos. Como índio brasileiro, ele sabia perfeitamente do que estava falando, porque o massacre que os nativos americanos sofreram por lá, os indígenas do Brasil também passaram por aqui. Para Kaká, o essencial nos dias de hoje é divulgar a sabedoria indígena que pode ser compartilhada com a humanidade. Isso queria dizer que eu deveria contar como é a visão do nativo americano sobre o mundo e a natureza, e não mais falar tanto do passado. E ele ainda acrescenta: “Preste atenção no que diz o silêncio, a terra, as árvores, os rios…”

 

Isso queria dizer que as mensagens talvez não fossem algo falado diretamente para mim, portanto, mas que elas poderiam estar escondidas em meio as minhas experiências. “Também atente para o que os sonhos dizem”, ele me aconselhou. Por isso estava bem alerta com as imagens que me apareceram de madrugada na reserva hopi. E para o que elas me diziam. 

 

Os conselhos de Kaká Werá valem para todo viajante espiritual: silêncio interior, contato com os sentimentos e sensações internas, atenção aos sonhos e também aos sinais e símbolos do mundo externo.  E eu também constatei como às vezes é importante conversar com alguém profundamente vinculado com a cultura ou o local para onde viajamos. Uma frase dessa pessoa pode ser uma pedra de toque na nossa vivência posterior durante a viagem. 

 

Eu estava cada vez mais intrigada com o que poderia acontecer no Arizona. 

 

Sol, Lua e ancestrais

O meu primeiro contato com um índio americano é com Donavan Hanley. Ele tem porte atlético, um sorriso aberto e está vestido com uma camisa quadriculada azul. Poderia ser apenas um homem bonito no meio do saguão do Double Tree Hilton de Phoenix, no subúrbio de Tempe. Mas quando ele se volta para pegar alguns folhetos, percebo a longa trança de cabelos negros que escorre pelas suas costas até a cintura dele. Donavan pertence a nação navajo e gerencia uma agência de turismo e de organização de eventos como, por exemplo, a cerimônia do Powa, onde várias tribos cantam e dançam em conjunto. Os navajos tem muito orgulho da cultura deles. Alguns são empresários bem sucedidos envolvidos em atividades turísticas que divulgam costumes, arte, música e dança das tribos.

 

É nessa primeira experiência com Donavan que eu aprendo algo muito especial quando ele se apresenta para mim, em sua língua e à maneira da cultura dele. Os navajos usam quatro grandes referências para designar quem são: eles recitam os nomes dos ancestrais espirituais celestes deles, que são o Sol e a Lua, dos seus avós, dos seus pais e, finalmente, o deles. Quando fala de si mesmo para um desconhecido, um navajo se lembra de sua conexão espiritual, da importância da sua linhagem familiar e vê a si mesmo como fruto de todas essas influências.

 

Eu imagino o quanto essa visão modificaria a nós mesmos. Da maneira como os navajos fazem a apresentação deles, nós experimentamos milhares de vezes o sentimento de gratidão pela vida ao reconhecer as condições prévias que permitiram nosso nascimento. Quando somos gratos, nos tornamos menos mimados, exigentes e egoístas. E sem dúvida ficamos mais felizes e satisfeitos com que nós já temos e com o que nós já somos. É a primeira lição, entre muitas outras, que trago para casa: honrar de onde eu venho, agradecer a quem me deu a vida, ser mais humilde ao considerar minha importância e me tornar cada vez mais responsável por tudo aquilo que recebo como herança.

 

É muita coisa para se levar em conta.

 

O quinto mundo cintilante

Minha segunda experiência com os nativos americanos acontece numa reserva apache, mais especificamente no famoso Fort Apache. No lugar da construção de madeira do exército americano que se vê nos antigos faroestes foi erguido um museu que abriga um gowa, a casa dos ancestrais ou, como eles preferem dizer, a casa de nossas pegadas. Por isso me ajoelho e beijo o chão ao entrar lá. O lugar é considerado sagrado e um marco histórico na reconquista indígena das terras que eram anteriormente deles.

 

Pausa para visitar o museu do Fort Apache Historical Park que abriga uma tenda inspirado num gowa, ou casa dos ancestrais. Estamos no local exato onde ficava o famoso Fort Apache dos filmes seriados de TV da década de 60.

 

Dentro do gowa, um líder espiritual da nação apache descreve a história da criação do mundo em um vídeo. Com algumas diferenças, essa narrativa também é contada do mesmo modo entre navajos e hopi. Para os nativos americanos, o mundo foi criado em diferentes fases. Em algumas narrativas foi o Filho do Sol que formou o mundo. Em outras tribos, mais matriarcais, foi a Avó Aranha (com ou sem a ajuda do Filho do Sol). O Primeiro Mundo era feito de trevas, e não existia a vida como a conhecemos. Ali viviam o Povo Inseto e os seis Seres Primordiais. A cor dele era o negro. No Segundo Mundo nascem as águas, e a vida. A cor dele era o verde-azulado, como as turquesas que os nativos empregam nas jóias feitas por eles. No Terceiro Mundo nascem as flores, as borboletas, os grandes animais como os dinossauros, e o milho. A cor dele era o amarelo. É na quarta fase, do Mundo Branco Brilhante, que chegam os seres humanos. Para muitos nativos, estamos prestes a terminar essa última etapa da criação para entrar no quinto estágio, o Mundo Cintilante. Em outras palavras, nos encontramos numa grande transição, e num momento muito importante para a humanidade. Eles estão perfeitamente conscientes disso. Boa parte de nós, não.

 

A reserva é compartilhada por mais onze grupos diferentes de apaches (como os mescaleros e outros…). E Mylyla Ethelban, que vem da tribo apache White Mountain, é quem nos dá a explicação sobre o significado dos objetos expostos no museu do Fort Apache Historical Park. Ela usa botas de pele forradas com lã de carneiro, roupa escura e um colar com uma grande medalhão de madrepérola, o símbolo do feminino. Mylyla mostra as vitrines do museu com artesanato em cestaria, mantas, cerâmicas e as roupas tradicionais apaches (que são as que mais associamos aos índios americanos, com longas franjas simbolizando a chuva, que é uma dádiva preciosa numa terra árida como a do Arizona). Ela também fala sobre a organização social da comunidade, que é preponderandetemente matriarcal, assim como acontece entre navajos e hopi. Entre os nativos, a mulher é sempre a dona da terra, e é ela quem escolhe quando e onde vai ser feita a plantação: a força dela é fundamental para a tribo. É também a moça que dá a palavra final diante do candidato quando ela está em idade de se casar: não há casamentos impostos pela família. Antigamente, o pretendente se apresentava com uma flauta para a possível noiva: se ela não gostasse dele, ela simplesmente o empurrava, e o assunto acabava na hora.

 

Os nativos americanos são artistas primorosos. O que produzem pode ser encontrado no interessante Heard Museum, em galerias de Flagstaff, em centros históricos como o de Fort Apache e o centenário armazém Hubbel Trading Post.

 

Nas reuniões tribais, as mulheres mais velhas, as avós, são ainda hoje os membros mais respeitados: a opinião delas é considerada como de grande valor. Eu vejo quanto o feminino e a experiência dos membros mais antigos do grupo são reverenciadas nessa tradição. Mulheres e velhos participam ativamente da condução do poder, não apenas como representantes eventuais, mas realmente como uma força de conjunto. Mais uma realidade que se mostra muito diferente da nossa, e um grande ensinamento.

 

No passeio pelo museu, Mylyla aponta algumas sacolinhas de amuletos que todo nativo ainda carrega como proteção. E também mostra a temível bolsa de escalpos, que eram considerados troféus de guerra, além de ser uma maneira bem convicente de intimidar os guerreiros inimigos. As pontas das flechas apaches eram envenenadas e consideradas arma de defesa, não só contra o homem branco, mas contra outras tribos e nações indígenas também. Geralmente o motivo da guerra entre eles era bem prosaico: o roubo de uma mulher, de cavalos, de um objeto precioso… Ela sorri ao falar: esse é o passado. Era assim, não é mais. Não há necessidade disso agora, os tempos mudaram, nada de sangue e guerras. Eu gostaria que tivéssemos aprendido essa lição tão bem quanto eles.

 

Rios que fazem amor

Fora do museu, Mylyla nos conduz por uma trilha apache em direção a um riacho. E explica que na natureza tudo tem gênero: os rios, por exemplo, podem ser masculinos, ou femininos, e se encontrar numa confluência do caminho só para fazer amor. É um olhar poético, e anímico, da natureza. Eu pensei como seria interessante identificar o que nos rodeia desse ponto de vista, ao ver em árvores, animais e montanhas personalidades distintas e com sexo determinado. Durante o resto da viagem, eu passei a olhar para o que estava vivo de um outro jeito ao tentar reconhecer cada elemento natural como particular e único. Eu nunca verei o que mundo me cerca da mesma maneira.

 

Nós passamos por uma aldeia (atualmente só demonstrativa) com algumas armações de troncos triangulares típicas usadas para fazer tendas (ou tipis, como são chamadapor eles), que antigamente eram cobertas com peles de animais ou folhas. As tipis são as ancestrais das barracas de camping, e ela conta que os apaches não ficavam mais do que quatro meses num local. Eles eram nômades, basicamente caçadores. Frugais, eles cultivavam apenas os alimentos básicos de subsistência, sobretudo o milho. Tudo o que cada um tinha deveria caber em cima de um cavalo. Imagino quanta tralha acumulamos e como seria melhor viver de forma cada vez mais simples, como os apaches. Com as dificuldades que talvez cheguem para a humanidade no futuro, talvez seja mesmo esse nosso único caminho.

 

As casas de troncos de madeira que pertenceram aos antigos militares do Fort Apache foram transformadas em centros de cultura, história e arte.

 

O último trecho do passeio pelo parque passa por antigas construções destinadas aos militares de alta patente distribuídas ao longo de uma larga avenida. Viraram museus, centro culturais da comunidade, escolas. Foram preservadas e cuidadosamente recuperadas, mas hoje com outro destino: cultura, educação e paz.

 

Eu saio de lá pensativa.

 

Purificação e renovação

O silêncio em Kinishba Ruins é tão espesso que poderia ser cortado com uma faca. Pelo menos é essa a minha impressão. Mais uma vez, terra sagrada, ainda na região do Fort Apache. As ruínas são casas de pedra milenares onde os ancestrais de muitas tribos atuais do Arizona viveram. Ao lado dessas habitações, podem ser vistos também os restos da casa de um antropólogo que na década de 30 morou por lá numa construção que imitava as moradias indígenas originais. Tudo ali está destruído pelo tempo, mas é como a presença desses ancestrais ainda estivesse ali. Kisnishiba é um lugar para orações e respeito visitado por turistas que nem sempre tem consciência disso. Eu vejo como nós perdemos completamente a noção do sagrado e do que pode ou não pode ser feito num espaço destinado a divindades e espíritos. Mas os nativos não só identificam essa força silenciosa em Kinishiba, como a reconhecem em outros locais do mundo.  “Eu senti esse mesmo silêncio sagrado quando estive em alguns lugares em Israel” confessa Kathleen Kasey, mulher que pertence a tribo White Mountain (apache) e que é a gerente do imponente hotel-casino Hon Dah (sim, também existem alguns casinos cinco estrelas nas reservas, com renda voltada para a tribo). 

 

Bonecas Kachinas Hopi: são mais de 300 tipos representando o Povo das Estrelas, seus ancestrais, animais e forças da natureza. Essa caracterização também é usada em seus rituais sagrados reservados. O Northern Arizona Museum promove eventos em que os hopi se apresentam ao público com as danças permitidas pelos clãs.

 

Eu testemunhei essa mesma quietude espessa nas terras cobertas de cinzas da cratera do vulcão Sunset, mais ao norte do Estado do Arizona. Uma dramática série de explosões ocorrida há 900 anos dizimou as aldeias que existiam por lá. Ali é terra sagrada para hopis e navajos. Para os hopi, ali moram os espíritos dos Kachinas que durante seis meses vão visitá-los nas pequenas aldeias deles a alguns quilômetros dali e que depois voltam para lá (e também para as vizinhas montanhas nevadas de San Francisco Peaks).

 

É difícil explicar quem realmente são os Kachinas (pronuncia-se Katssinas). “Eu ficaria um dia inteiro tentando fazer isso e ainda assim não conseguiria”, diz James Surveyor, gerente de marketing do hotel Moekopi Legacy Inn da reserva hopi. Mas numa explicação mais superficial pode se dizer que os Kachinas, ou Povo das Estrelas, são os ancestrais celestes que deram origem aos clãs originais daquele povo. Além de povo interestelar, eles também podem se manifestar como forças sagradas da natureza e animais em rituais dos hopis. São representados em formas de bonecos, de mais de 300 espécies diferentes. Muitos deles, pelo seu poder, não poderiam ser vistos pelo homem branco sem causar efeitos nocivos: por isso, instituições sérias como o Heard Museum e Northern Arizona Museum tem o cuidado de apresentar em sua exposição apenas aqueles que são liberados pela comunidade, como os da foto acima (aguarde em breve um artigo apenas sobre os hopi).

 

 Todas essas essas histórias não nos deixam esquecer que Sunset Crater é um lugar de muita força espiritual. A cratera calcinada também é uma referência religiosa de grande importância para os índios navajos. Para eles, esse solo purificado tornou-se um lugar ideal para práticas espirituais e para se entrar em contato com seu povo ancestral.

 

Numa placa do parque, é possível ler que a o planeta Terra constantemente se renova com explosões vulcânicas. Sunset Crater, assim como o vizinho Wapakti National Monument, onde aldeias também foram destruídas há cerca de 800 anos após a erupção de um vulcão, servem para nos recordar da possibilidade sempre presente de uma transformação radical no planeta. E uma grande catástrofe pode ser uma das maneiras para se efetuar essa renovação. Os hopi falam dela como o Dia da Grande Purificação. Para eles, esse dia marcará o início de uma outra Era, ou do Quinto Mundo, que possivelmente será mais ético, espiritual, gentil e ambientalmente responsável. Alguns de nós já tentam viver nele.  

 

A terra calcinada mostra a purificação ocorrida na cratera do vulcão. Sunset Crater é outro território considerado sagrado para os navajos e hopis. Ao fundo, San Francisco Peaks, onde segundo o povo hopi também moram os espíritos Kachinas (pronuncia-se Katssinas).

 

Perdoem, esqueçam

O Canyon de Chelly, assim como o Grand Canyon e o Monument Valley (ali perto), é considerado território espiritual para os navajos. Segundo eles, ali viveram os anasazy, seus antepassados, há cerca de 2 500 anos. Sua história está presente nos pictogramas (gravações milenares encontrados nas rochas) e numa construção decorada internamente de branco e verde, chamada de White House, que fica protegida dentro de uma gruta.

 

Winnie Henry é um dos guias de lá. Ela tem 70 anos e dirige um jipe pelos caminhos alagados do Canyon de Chelly (pronuncia-se de d’Shey) como de um piloto especializado em rallyes. Ela tem sangue navajo, nasceu ali, e ainda hoje mora durante o verão num hogan, a casa sextavada tradicional dessa cultura indígena. Winnie foi professora a maior parte de sua vida e hoje leva turistas para conhecer o lugar, quando não está imersa em dezenas de outras atividades, entre elas, a de escrever um livro para a próxima geração da sua família.

 

A beleza da alma de Winnie me impressiona tanto quanto a do Canyon de Chelly. Com alegria, ela descreve aquelas rochas de 300 metros de altura como se fossem a casa dela, que, de fato, um dia foram, quando ela era um menina. Winnie conhece cada canto por ali e ainda fala de sua infância quando o rio era bem maior e mais profundo… Winnie também reclama das plantações de oliveiras (“elas sugam toda a água”) como se alguém tivesse ousado plantá-las em jardim dela. Como muitos outros nativos, ela acredita em aliens (“devem ser os povos das estrelas mencionados na tradição”) e não acha impossível que alguém possa entrar em contato com eles em meditação numa noite estrelada. A guia navajo também admira o povo hopi (“um povo pacífico”) e fala com amor da família dela.

 

Winnie não menciona que ali foram covardemente assassinados muitos dos antepassados dos navajos atuais. Em 1864, o general Kit Carson encurrala os nativos nos meandros do cânion onde eles se escondiam e os massacra em duas investidas mortais. Os remanescentes foram obrigados a andar 500 quilômetros a pé até uma distante reserva no Novo Mexico, num episódio histórico chamado de Long Walk (A Grande Marcha). Ali ainda eles tiveram de enfrentar fome e violentos ataques de outras tribos por mais três anos. Só em 1868, o governo americano permite que os últimos navajos do Canyon de Chelly ainda vivos, provavelmente os avós de Winnie, retornassem às suas terras.

 

O tamanho das árvores embaixo indica a escala gigantesca do Canyon de Chelly (mais de 300 metros de altura). A gruta protege construções milenares que pertenceram aos ancestrais da guia navajo Winnie.

 

No meio da entrevista, eu arrisco a perguntar para essa mulher feminina o que ela diria para a humanidade se alguém perguntasse para ela. Winnie se assusta com a questão, mas não se deixa intimidar. Ela reflete por alguns momentos e sintetiza a mensagem em apenas duas palavras: “Forgiveness and forgetness”. Perdão e esquecimento. Para todas as mágoas, para todo o sofrimento, sobretudo nossas dores pessoais. E esse é um ensinamento que os indígenas americanos vivem na pele. Em nenhum momento eu vi qualquer um deles se referir com ressentimento ou raiva aos homens brancos. Ainda há pobreza, problemas com o alcoolismo entre as tribos e ameaças às terras deles, mas eles eliminaram definitivamente o ódio com relação ao que houve no passado. Essa é uma lição que seria de grande utilidade no Oriente Médio, Vietnã, Ruanda, Bosnia e dezenas de outras zonas onde existiram sérios conflitos. Os nativos preservam sua história e identidade com muito cuidado, mas eles não cultivam sentimentos rancorosos ou vingativos. E essa senhora forte e corajosa me dá a última lição que fui buscar no Arizona: perdão e esquecimento. Para todos nós, e com relação a todas as coisas. Tudo o que eu queria era gritar essas palavras bem alto para que elas se multiplicassem por aquelas paredes de pedra para sempre.

 

(Artigo editado e ampliado publicado originalmente na revista Vida Simples)

Fotos: Liane Alves (por favor, mencione autor e o site Red Lotus Spiritual Travels quando compartilhar)

Canyon de Chelly – Arizona Tourism Office 

 

Para saber mais:

www.visitarizona.com

http://experiencehopi.com/

http://www.explorenavajo.com

http://www.fortapachearizona.org/about

Leia mais sobre Hotéis, Gastronomia, Compras e O que fazer no Arizona e nas reservas indígenas em nossa seção de Serviços

 

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