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Date:25 jun., 2015

Chartres, a catedral das iniciações

A catedral de Chartres ancora-se sobre muitos mistérios, como os veios de água subterrâneos organizados em forma de leque para direcionar a energia.

Os mistérios escondidos em Chartres são desvelados aos poucos. Como um código secreto esculpido em pedra e vidro, a catedral traz formas cifradas do passado e que ainda hoje atuam no processo espiritual do ser humano.

 

É possível distinguir suas torres desiguais que representam o Sol e a Lua bem antes de chegar ao pequeno vilarejo de Chartres, a 170 quilômetros de Paris. Erguida numa região quase plana, a catedral levanta-se como uma montanha feita de pedra cinza que pode ser vista da janela do trem. Como uma caixa de tesouro contendo pedras preciosas faiscantes, seus vitrais se transformam em pura luz em seu interior, num processo que resulta em cores até hoje não reproduzíveis, como o famoso azul cobalto que cobre as vestes da Notre Dame de-la-Belle-Verrière, também conhecida como Nossa Senhora de Chartres, talvez o vitral mais belo do mundo. 

 

Se a catedral parece única e magnífica nos dias de hoje, o que dizer do impacto profundo que a edificação causava nos peregrinos do primeiro milênio? Para eles, Chartres era tão grandiosa e moderna quanto para nós um prédio de sessenta andares com vidros espelhados. Sem falar da força simbólica dela como o maior centro de peregrinação mariano da Europa e da concepção arquitetônica da igreja gerada no espírito gótico, cujas formas procuravam reproduzir a beleza do céu aqui na Terra e estabelecer uma ponte direta entre o ser humano e Deus.

 

A catedral atual foi construída entre os anos de 1194 a 1250, durante a Idade Média. Ela é a última versão das quatro igrejas anteriores que existiam ali e que foram destruídas em incêndios devastadores. Chartres foi erguida sobre a penúltima igreja, que era em estilo românico e que hoje é mais conhecida como igreja baixa ou cripta. Tanto a construção romãnica que serve de alicerce como a própria catedral foram construídas dentro das proporções harmônicas da geometria sagrada e dos números pitágoricos, uma herança vinda dos antigos gregos que foi reabilitada no século XI com Chartres. A geometria sagrada de Pitágoras era baseada na música, e não na arquitetura. Por isso é possível dizer que Chartres é uma composição musical feita em pedra e vidro por autores desconhecidos que sabiam como provocar a ressonância harmônica entre as forças sutis e o ser humano por meio do uso consciente da geometria.     

 

Histórias sobre os antigos druidas, cavaleiros templários, geometria sagrada e a evolução espiritual do homem estão interligadas em todas narrativas sobre a Catedral de Chartes. Vamos conhecer agora algumas delas. 

 

A cor cinza em tons degradés se espalha por Chartres, a 170 quilômetros de Paris. A catedral se ergue como uma montanha de pedra nessa cidade de muitos restaurantes e butiques de charme.

 

Força que brota do chão

Quando foi reinaugurada em 1250, Chartres imediatamente chamou atenção de toda a Europa. A construção era o que de mais moderno existia em matéria de arquitetura e uma absoluta novidade para a época. Era a segunda igreja do continente a ser construída no estilo gótico (a primeira foi a pequena St. Denis, em Paris). Durante a Idade Média, milhares de pelegrinos chegavam ao pequeno vilarejo para visitar a cetedral em busca de conforto espiritual mas também de cura do corpo físico, pois a Chartres tinha a fama de operar milagres. Ao contrário de hoje, eles não entravam pela porta principal do lado oeste, mas iniciavam o caminho penetrando na cripta, alguns metros abaixo do piso da catedral, onde estão erguidas as paredes da igreja românica original. E os viajantes ficavam ali por horas ou dias até se sentirem prontos e purificados para adentrar na igreja, como num processo iniciático de expurgação e cura dos seus sofrimentos. Era como um homem novo que o peregrino entrava na catedral pela primeira vez, pronto para um contato com um plano espiritual anteriormente inatingível.

 

Eu também entrei dessa maneira pela primeira vez em Chartres. Depois de adentrar o templo, eu me dirigi para a entrada da cripta que ficava ao lado da porta principal. Sinceramente, eu prefereria fazer o percurso de outra forma: ir logo em frente para ver o famoso labirinto incrustado no chão da igreja, para depois seguir na direção do altar e me encantar com os vitrais da catedral em tons predominantes de azul e rosa. Até aquele momento, eu não tinha ideia de que entrar em Chartres pela cripta fazia parte do percurso dos peregrinos medievais. Mas como era convidada da agência do turismo francês, tinha de fazer o percurso sugerido pela guia local. Foi a minha sorte. É como realmente se deve começar a visita.

 

Ao descer pelos degraus de pedra que desciam para a cripta, lembrei de uma frase de autoria desconhecida muito marcante para mim: “Para subir aos céus, é preciso primeiro descer aos infernos, de preferência sob as asas de um anjo”. O nosso anjo era uma guia que falava fluentemente o espanhol (as excursões guiadas partem do Office de Tourisme local, a poucos metros dali). Assim, sob sua liderança, começava a nossa descida. Hoje em dia é preciso agendar essa visita no Office, sob o risco de conhecer a cripta só por fora, o que seria uma lástima para o peregrino. É justamente na cripta que se esconde o primeiro grande mistério de Chartres, as correntes telúricas (energias terrestres) sobre as quais a catedral teria sido fundada.

 

Alguns autores apontam Chartres como uma colina já considerada sagrada pelos celtas, povo que habitava o lugar bem antes da época cristã. Situada numa confluência de veios subterrâneos de água organizados artificialmente sob a forma de um leque aberto, a catedral se assenta sobre um mound, palavra céltica que designa uma colina onde se concentram forças telúricas de grande potência, chamadas por eles de wouivre (ou vril). “O mound sobre o qual a catedral de Chartres está construída era um local sagrado muito antes do cristianismo”, diz Tim Wallace Murphy, autor do livro O Código Secreto das Catedrais. “Ele era sagrado muito antes que os druidas lá chegassem, e já era um centro de peregrinação na época, e desde então”, afirma. Como os “vapores” que emergiam de templo de Delfos, na Grécia, e que colocavam as pitonisas num diferente estado de consciência, acreditava-se que as correntes de wouivre do mound de Chartres atuavam no ser humano como centelha inicial de um processo transformador de consciência.

 

De acordo com alguns  especialistas do assunto, o lugar já deveria ser conhecido como uma espécie de Stonehenge desde o Neolitico. Os canais subterrâneos de água foram construídos de forma a intensificar conscientemente a energia natural que brotava da terra. “Esses são lugares onde essa força telúrica extremamente poderosa, ou Spiritus Mundi, pode ser detectada. O Spiritus Mundi é tão potente que é capaz de despertar o homem para a vida espiritual. Esse fato era reconhecido desde os tempos druídicos, quando o mound era chamado de Colina dos Fortes, ou Colina dos Iniciados”, escreveu Tim Wallace-Murphy na sua obra.

 

Blanche Mertz, outra estudiosa interessada pelo tema, fez uma investigação detalhada desse estranho arranjo de canais que ainda hoje existem sob a catedral. Ela descreve um sistema de catorze canais destinados a amplificar e a intensificar os efeitos das correntes de wouivre. Eles eram encaminhados para um poço, que até hoje pode ser visto na cripta. Esse ponto de confluência energética situava-se exatamente no poço e, acima, no centro do coro da catedral, onde antigamente estava o altar. A mesa que recebia as oferendas e consagração do pão e do vinho, além de receber as forças telúricas que vinham de baixo da terra, também era receptáculo de energias celestes que vinham de cima, intensificadas pelas abóbodas e proporções precisas baseadas na geometria sagrada. Portanto, tanto a cripta quanto o altar eram considerados lugares de iniciação espiritual beneficiados pelo uso consciente da energia do céu e da terra

 

Um mundo subterrâneo

A cripta é dividida entre muitas capelas e altares. Escura, essa igreja parcialmente subterrânea recebe a pouca luz que vem de fora através de minúsculas janelas. Hoje a cripta é iluminada artificialmente, mas não com muita luz, para preservar um sentido de introspecção e recolhimento. É sombria e, para alguns, assustadora.  Uma das duas jornalistas que está comigo nessa visita começa a passar mal e se apóia no meu braço. A guia fala muito rapidamente, numa sucessão de dados históricos e culturais. Sua voz começa a não ter mais sentido para mim. Quando nós nos dirigimos ao poço que fica no meio da cripta, eu percebi que minha mente estava quase vazia de pensamentos. Embora a água dos veios do poço tenha sido desviada há séculos e ele seja basicamente um poço comum muito profundo, mesmo assim a energia se manifesta intensamente. Não é raro o visitante sentir-se mal por causa da atuação poderosa da wouivre telúrica ainda presente, como nos conta Sonja Ulrich Klug em A Catedral de Chartres, a geometria sagrada do Cosmos, um livro que li depois de voltar para casa. Ela escreveu: “Enquanto estava de pé, ao lado do poço, eu senti uma náusea repentina. Outros membros do grupo também não se sentiram bem. Alguns reclamavam de tontura, outros de mal-estar geral. Quase todos manifestaram algum tipo de problema psicossomático, embora o poço estivesse fechado desde o século XVII!. Nilrem (anagrama de Merlin), o misterioso guia da autora na catedral de Chartres, explica: “As correntes telúricas são muito fortes lá embaixo, não são? Aquele é um dos pontos magnéticos mais fortes da Terra. Ele faz parte da cura que as pessoas buscavam na Idade Média. As correntes intensas transmitem a sensação de se estar sendo puxado para baixo”.

 

Possivelmente a cripta atuava como purgatório, onde o peregrino se livrava de suas dores, males e sofrimentos.  Eles eram, literalmente, sugados para baixo pela terra.  Será que isso estaria acontecendo conosco?

 

Madonas negras

Na cripta, além de rezar para a imagem da Virgem Negra, como era conhecida nos tempos medievais (uma antiga cópia substitui atualmente a original, queimada num incêndio durante a Revolução Francesa), os peregrinos bebiam a água do poço subterrâneo, considerada milagrosa. Isso quer dizer que, além da purificação do espírito, eles passavam pela cura do corpo, e sua conseqüente mudança de paradigma energético por meio da ingestão da água dos canais subterrâneos. Ali, rezavam várias missas por dia, na penumbra e sob as graças de Notre Dame-sous-terre (Our Lady of Underworld).

As Madonas Negras, como a de Notre-Dame-sous-terre, são veneradas em muitas igrejas da Europa. A origem desse culto é antiquissima.

A tradição da veneração da Madona Negra em grutas e criptas é aceita como um culto pré-cristão. Era muito popular entre os druidas (os sacedotes celtas) que habitavam parte da Gália, onde atualmente existe a França. Para eles, a Virgem Escura representava a força da natureza escondida sob a terra durante o inverno, que posteriormente explodiria em flores e frutas durante a primavera-verão. A Madona Negra também materializava a profecia celta que dizia que uma Virgem Sagrada e seu Divino Filho, o Salvador do Mundo, seriam muito importantes no futuro.

 

Mais de 500 esculturas de Madonas Negras foram descobertas na Europa, geralmente escondidas em grutas e cavernas. A imagem de Chartres, por exemplo, é muito parecida com a da igreja de Rocamadour, mais ao Sul da França e a de Nossa Senhora de Montserrat, na Espanha. Notre Dame-sous-terre também era conhecida dos romanos antes de Cristo e foi descrita pelo imperador Júlio Cesar como a Virgini Pariturae, ou a Virgem prestes a dar a luz, cerca de 50 anos antes do nascimento de Jesus. Nessa época, ela era adorada pelos druidas no lugar sagrado de Carnutum, entre os rios Eure e Loire, exatamente na colina onde hoje está erigida Chartres.

 

Provavelmente de origem egípcia – Ísis também era conhecida como Virgem Negra, e mãe de Hórus, o Sol – a tradição celta desse culto se espalhou pelo solo gaulês e seus altares antecedem inúmeras igrejas católicas atuais hoje dedicadas a Nossa Senhora. Imagens famosas de Madonas Negras conhecidas como Notre Dame-sous-terre se acham presentes na França, Itália, Espanha, Alemanha e Polônia. 

 

Os cavaleiros templários, muito ligados à história da construção de Chartres, também abraçaram a veneração a Virgem Negra, mas por outros motivos.  De acordo com alguns autores, a Madona Negra também representava a senhora que está oculta, ou Maria Madalena, protetora deles. Nesse oceano de especulações e teorias, é bem possível que esse sincretismo realmente tenha ocorrido em Chartres nos tempos iniciais da cristianização da Galia. Mas se associação da imagem com Maria Madalena é incerta, com certeza há um vínculo estreito entra a catedral e a Ordem dos Templários. Na cripta, vários vitrais em pequenas janelas ainda ostentam a cruz templária e Bernard de Clairvaux, um dos inspiradores da Ordem, foi um dos grandes incentivadores da construção da catedral.

 

Portanto, disfarçados sob a aparência de uma intensa devoção à Nossa Senhora, mãe de Jesus, existe a possibilidade de que vários cultos e crenças fossem misturados sob o olhar muitas vezes complacente da Igreja. Mas nem sempre essa convivência foi pacífica. Os padres se tornavam cada vez mais incomodados e resistentes com os cultos de origem pagã praticados dentro dos muros das catedrais. Mas. aos poucos, a devoção à Madona Negra transformou-se na devoção à Nossa Senhora, mãe de Jesus, e continuou intensa por séculos e séculos.  

 

Outra imagem de Madona Negra famosa na catedral de Chartres é a de Notre Dame-du-Pilier. Ela foi colocada em cima de um coluna dentro da igreja para substituir a imagem destruída num incêndio dentro da cripta (a imagem que existe hoje é uma antiga cópia dela).  Na verdade, a imagem policromada de Notre-Dame-du-Pilier era originalmente branca (era conhecida como Notre Dame-la-Blanche) e talvez ela tenha sido colocada dentro da parte de cima da catedral para enfraquecer o culto à Madona Negra que se realizava abaixo na cripta. Mas, por ironia, com a passagem do tempo Notre Dame-la-Blanche também se tornou… negra,  porque foi escurecida pela fumaça das velas dos fiéis. E assim eles continuaram a devoção a Madona Negra na figura dela. 

A imagem de Notre-Dame-sous-Pilier em Chartres foi colocada em cima de uma coluna, num lugar de muita energia e devoção. Considerada uma Virgem Negra por séculos, ela recebeu recentemente uma pátina branca que devolveu a cor original à imagem.

Como outras virgens escuras, inclusive Nossa Senhora da Conceição Aparecida (que é a santa padroeira do Brasil) , Notre Dame-sous-Pilier recebeu uma vestimenta feita de tecido, que deu à imagem uma aparência piramidal em forma de sino. Assim ela é descrita pelo autor de O Código Secreto das Catedrais. ”A Virgem foi vestida de acordo com a tradição, com mantos pesados e ornamentados, formalmente modelados como um triângulo. Se ficarmos em frente do pilar onde ela está, é possível se detectar um nível tangível de energia, um lugar de poder dado por Deus onde a vibração é tão baixa que pode induzir uma sensação de desfalecimento, indicando que esse também é um ponto de transformação espiritual”

 

Mas depois de uma reforma recente da catedral, em 2012, a imagem de Notre-Dame-du-Pilier recebeu novamente a pátina branca original, e os vestidos vaporosos dela foram retirados. Atualmente, ela mais parece uma boneca colorida, mas o ponto energético diante dela provavelmente continua a atuar como antes. 

Notre Dame-de-la-Belle Verrière é considerado o vitral mais bonito do mundo.

Outra Madona de igual importância em Chartres é a Notre Dame de-la-Belle Verrière (Nossa Senhora do Belo Vitral), ornamentada por vidros de azul cobalto produzidos alquimicamente a partir do ouro, segundo a autora alemã Sonja Ulrich Klug no livro A Catedral de Chartres. O local abaixo desse grande vitral, considerado como o mais bonito do mundo, é também considerado igualmente outro ponto de transformação espiritual facilitado pelo uso consciente da energia, de acordo com Sonja Klug.  

 

O véu da Virgem Maria (conhecido como Sancta Camisia) é outra grande atração que vale conhecer durante a visita, embora ele esteja protegido por grossas barras de ferro. De acordo com a tradição, Maria estava usando o véu no dia do nascimento do seu filho Jesus, ou durante a Anunciação do Anjo Gabriel, em outras versões. A relíquia foi doada à catedral no ano de 876 à pelo rei Charles, o Calvo, neto do rei Carlosmagno. A peça foi exposta em várias cidades da Europa e ajudou a angariar fundos para a construção da catedral de Chartres depois do grande incêndio do ano 1020. 

Mas o ponto energético mais conhecido do mundo onde talvez exista um acesso a um nível diferenciado de consciência é a o labirinto de Chartres.

 

Uma roda de transformação

Ao subir os degraus e agora livre da atmosfera densa que existe na cripta, eu entrava no espaço reconfortante da catedral com o coração leve, como os antigos peregrinos. Eu dei um suspiro de alívio. Meus olhos se acostumaram aos poucos com esse outro tipo de penumbra, agora repleta de cores luminosas e energias celestes, como afirma a tradição de Chartres. A catedral é escura para que os vitrais dela se tornem mais nítidos, um espetáculo para os olhos e para o coração. Naquele momento, o templo parecia um grande útero iluminado por jóias cintilantes. Chegava agora o momento certo de encontrar o labirinto.

 

Leva aproximadamente uma hora para se percorrer o labirinto, mas nem sempre o caminho está livre. Muitas vezes o espaço é subitamente ocupado por cadeiras de palha colocadas para a missa ou para eventuais apresentações musicais. Infelizmente, era esse o caso, e meu coração ficou decepcionado com a novidade, porque anteriormente, quando chegamos, o espaço estava desimpedido. Mesmo assim, eu segui adiante conformada, pois a guia também iria nos falar do labirinto. Mas o discurso dela, embora competente, era bem tradicional. Cheguei a conclusão de que deveria buscar outras fontes para descrevê-lo.

 

Andar pelos meandros do labirinto da catedral de Chartres é um grande sonho para os pelegrinos. Mas hoje em dia isso só pode ser feito às sextas-feiras, em determinados horários. O centro, no entanto, sempre está desimpedido.

 

De acordo com alguns livros e autores, o labirinto é uma viagem rumo ao centro do ser feita exteriormente e interiormente. O constante andar em círculos faz rapidamente o cérebro perder referências de tempo e espaço. Em poucos minutos, é possível se caminhar em outra dimensão temporal e espacial nas voltas do círculo. E ao tentar encontrar a rota certa com muita concentração, podem surgir muitos insights paralelos sobre nossa vida.

 

O nosso percurso fatalmente chegará ao centro. Nesse ponto, segundo medidas feitas por especialistas em radiestesia, está presente um alto nível de vibração energética, que pode fazer o corpo oscilar levemente para frente e para trás. É no centro do labirinto que, em prumo, nos tornamos um elo perfeito e o céu e a Terra. “Tanto no labirinto de Creta quanto no de Chartres, só um caminho conduz ao centro. Não se pode ficar perdido no labirinto, ainda que seja essa a primeira impressão. Tal fato constitui mais uma indicação de que o labirinto representa o caminho da alma humana, pois também ela só conhece um só acesso a Deus”, diz a pesquisadora Sonja Klug.

 

Outros sinais estão ali presentes: o labirinto tem 365 pedras brancas e 273 pedras negras, numa alusão ao ano solar e o lunar; os onze círculos concêntricos representam o sistema planetário. Por meio do número de voltas, também estão representados ali os planetas do sistema solar, o zodíaco, a alma do mundo, o espírito e Deus, segundo a terminologia empregada pelo filósofo grego Plotino, cujo pensamento influenciou os construtores da catedral. O labirirnto é uma representação do macrocosmo dentro daquele pequeno microcosmo circular. Com essas representações simbólicas, o centro do labirinto coloca o ser humano em ressonância com todo o universo, físico e espiritual.

 

Mas se Chartres realmente foi construída com a intenção de despertar o espirito do ser humano, é também justo não ir até lá em busca de sensações extraordinárias. E nisso os padres ligados a catedral tem toda razão. Uma igreja é uma ponte entre o ser humano e Deus, um lugar onde reverberam lamentações humanas e bençãos divinas. Portanto, é um espaço feito para se recolher e rezar. Por isso,  não é bom ficar obcecados demais com os lugares onde tem mais energia ou nas proporções de geometria sagrada. Chartres não é um parque de diversões New Age onde o mais importante é sentir diferentes sensações em determinados pontos. É válido ter essas informações, é claro, mas o fundamental ali é a possível conexão que pode acontecer entre nós e um plano espiritual divino. E isso pode acontecer apenas durante a oração ou a meditação feitas em silêncio e em calma. A força disponível poderá apenas facilitar esse processo de conexão que não pode ser substituído por uma procura ávida de sensações.  E era para encontrar Deus numa condição especial, e não para ter experiências sensacionais, que eu tinha tanta vontade de percorrer o labirinto.  Mas o desenho geométrico mais famoso do mundo estava temporariamente impedido para mim.  

 

Nesse meio tempo, enquanto nós lamentávamos o labirinto ocupado pelas cadeiras (ele só está livre delas às sextas-feiras, da sete às 13 horas), o reitor de Chartres, o chefe espiritual da catedral, veio até nós para nos cumprimentar. Eu reclamo timidamente que não seja possível percorrer o labirinto, o grande sonho do peregrino que vai até Chartres. Ele me olha, dá um sorriso e diz: “Mas o centro está completamente desimpedido… Você pode ir até lá!”. Eu olho e constato realmente que eu poderia me dirigir ao ponto central do labirinto e ali entrar em comunhão interna. Instantaneamente compreendi que o percurso do labirinto eu já havia feito durante toda minha vida até chegar aquele momento. Esperei a guia falar ainda de todos os vitrais, de todos os baixos relevos e imagens interiores e exteriores da igreja, que por si só já dariam um livro, para então me dirigir ao nosso grupo e pedir licença para ficar ainda uns momentos em silêncio na catedral.

 

Eles se afastaram. E eu calmamente andei na direção do centro do labirinto. E fiquei ali, quieta, por uns vinte minutos. Realmente senti um influxo de energia que vinha de cima, e me banhei nessa força iluminadora por algum tempo, recolhida. Depois, eu agradeci interiormente e me dirigi ao altar. Lembrei-me das palavras da guia: “Tão importante quanto chegar ao centro, é sair do labirinto, dando os oito passos sagrados em direção ao altar, e de Deus”. Eu fiz isso com toda consciência e contrição. Agora, sim, como outros milhões de peregrinos ao correr dos séculos, eu poderia voltar para o mundo, e irradiar a luminosidade grandiosa de Chartres.

 

O lado secreto da catedral

O conhecimento por trás dessa verdadeira máquina de transformação de energia física e espiritual estava nas mãos de um homem: o bispo, e possivelmente grande conhecedor de geometria sagrada, Fulbert.  Foi ele que, em 1007, ajudou a trasnformar Chartres numa escola de pensamento e um centro de peregrinação. O currículo dos alunos da Escola de Chartres, todos eles respeitados filósofos e eruditos de vários países da Europa, incluía o estudo profundo das obras da Antiguidade Clássica da Grécia e de Roma, uma grande novidade para o pensamento medieval, pois durante muitos séculos elas foram tidas como obras pagãs indignas de crédito.

 

A Escola de Chartres foi fundada antes da Universidade de Paris e alcançou seu apogeu no século XII. Era considerada uma escola neoplatônica e funcionava no mesmo lugar onde se erguem as lojinhas de suvenires ao redor da catedral. Mas, acredita-se que, além de filosófica, a Escola de Chartres também era iniciática e divulgadora de um conhecimento secreto. Em 1020, após um incêndio na igreja românica de Chartres, Fulbert decidiu erguer uma nova catedral, com base no que tinha sobrado da antiga. Era também uma excelente oportunidade para aplicar praticamente o conhecimento de que ele era portador numa construção de vidro e pedra.

 

A nova catedral românica foi inaugurada em 1037, quase nove anos após sua morte, mas foi Fulbert que conduziu suas obras durante quase toda sua vida. Foram os próprios moradores que a construíram, com base nas instruções dos mestres artesãos orientados por Fulbert. Altos impostos, donativos em trocas de indulgências, doações das famílias reais, e a peregrinação por toda Europa do véu da Virgem Maria trouxeram os recursos financeiros necessários para a construção. O bispo Fulbert tinha extraordinária devoção à Virgem Maria e foi ele quem inspirou a Igreja Católica a adotar o dia 8 de setembro como a data de aniversário dela, tradição que chegou até hoje. Bernard Clairvaux, que sucedeu Fulbert como o grande incentivador da construção de Chartres, também era muito ligado à mãe de Jesus. Foi ele quem estimulou a construção de várias igrejas góticas dedicadas à ela em toda a Europa, exatamente como ele fez com a Catedral de Nossa Senhora de Chartres, o nome oficial da igreja. 

 

É dificil calcular até onde o pensamento neoplatônico da Escola de Chartres, onde se estudava a fundo as artes gregas, tenha influenciado a construção da catedral. Mas estudiosos e arquitetos dedicados ao assunto ainda hoje se admiram com as proporções harmônicas do templo. E alguns deles realmente acreditam que Chartres tenha sido construída como uma caixa de energias conscientemente programadas.   

 Muitas informações descritas aqui sobre a Catedral de Chartres não estão disponíveis para o turista comum. É necessário ler e se informar muito antes de ir para lá. Há também muitos livros interessantes nas lojinhas locais, e até bons sites e documentários na internet. Porém, mesmo que muitas e muitas páginas fossem escritas, ou lidas, sobre a catedral, você pode ter certeza de que, mesmo assim, nem todos seus segredos seriam desvelados.

Para saber mais:

www.franceguide.com

 

Fotos: Wikipedia

 

 
 
 

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